quarta-feira, outubro 08, 2008

Maputo...

... recebeu-me de cara feia... numa manhã de sábado chuvosa... à saída do avião, deparei-me com um céu cinzento e uma brisa fresca... a expectativa do bafo africano caiu por terra... questionei-me: será que aterrei na cidade certa!?! Em África, também chove... não é só calor... e a minha chegada foi abençoada pela primeira chuva dos últimos dois meses... pontaria!

Outrora Lourenço Marques... a pérola do Índico... a cidade das acácias... é uma espécie de Lisboa em África... o lado cool do continente, menos organizado, mais arejado, temperatura amena durante todo o ano, menos atafulhada de gente, metrópole ma non troppo, com quintais e vizinhos de rua, e a grande vantagem: o mar ali ao lado e boas praias, mariscos e peixe fresco. No entanto, os vestígios da guerra [civil de quinze anos, que terminou em 1992] e os sinais de degradação ainda estão omnipresentes; mas há coisas que nunca mudam: as amplas e modernas avenidas, em cujos passeios reina a sombra de acácias e jacarandás, acolhem novas lojas, restaurantes e centros comerciais. Vive-se uma espécie de caos organizado em que nada parece funcionar mas tudo se ajeita.
O trânsito é desordenado, misturando ferro velho sobre rodas com jipes de alta cilindrada e vidros escurecidos.

O trânsito

Avenida Eduardo Mondlane

Baixa da cidade

Praça da Independência

Maputo shopping

A Avenida 24 de Julho é uma das mais animadas e emblemáticas; manteve o mesmo nome após a independência; é bastante extensa, do centro da cidade até quase sair dela - ou, como canta um rapper moçambicano, "a 24 de Julho começa no luxo e acaba no entulho".

O luxo

O entulho da 24 de Julho

A capital moçambicana é uma cidade surpreendentemente viva, com uma imensidade de atractivos, desde uma vida cultural cada vez mais animada à agitação dos mercados de rua, onde o contacto com as gentes de Moçambique - de coração aberto e largo sorriso - providencia uma mostra preciosa da hospitalidade local; o que contribui para fazer de Maputo uma das capitais mais agradáveis de África. Numa sociedade com mil rostos, profundamente multicultural e multiétnica, há uma vontade de transformar o quotidiano e de acreditar no futuro.

O quotidiano das ruas é um testemunho exemplar da luta pela sobrevivência da gente moçambicana: uma multidão de vendedores ambulantes - por todo lado - dispõe sobre os passeios ou carrega uma espantosa variedade de mercadorias que respondem a quase todas as necessidades - quinquilharia chinesa, fruta tropical, roupas, carregadores de telemóvel, artesanato, relógios de marcas famosas em contrafacção, caju torrado, etc. É uma atmosfera que revela a vitalidade da economia informal, sustento de grande número de famílias moçambicanas, e que confere ao quotidiano da grande cidade uma animação permanente. Nem a indiferença do turista consegue apagar a esperança e a persistência do vendedor: "Ei sinhora... faço bom preço... não paga para olhar...".

Vendedores ambulantes no passeio da Av. 24 de Julho

Miguel (na foto) é um exemplo desses vendedores persistentes a deambular pelas ruas da cidade, interpelando quem tem pinta de turista... Um final de tarde, a caminho de casa, veio-me mostrar as suas capulanas, insistindo que deveria ser bagagem obrigatória no meu regresso à metrópole... O negócio não se concretizou... teria de ficar para uma próxima oportunidade... Uns dias mais tarde, encontrei-o noutra ponta da cidade... reconheceu-me... e tive mesmo de trazer a capulana na mala de volta a Portugal... "Uma compra maningue nice" nas palavras do próprio...

A Avenida Marginal está a anos luz da movida de um calçadão em pleno Rio de Janeiro, mas também tem o seu charme, fama, proveito e estatuto para início ou fim das noites mais agitadas de Maputo. Para os fins de tarde, podem agendar-se provas de marisco no histórico Costa do Sol, activo desde a década de 30, à vista do areal descoberto pela maré vaza que recolhe ao fim da tarde as sombras esguias das palmeiras.

Ao longo da marginal...

Restaurante Costa do Sol, um ícone da cidade...

Camarões à Nacional...


Vale a pena visitar...

- a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição, que conserva no seu interior alguns canhões e outros elementos do tempo colonial, além de uma estátua equestre de Mouzinho de Albuquerque, proveniente da praça da Câmara Municipal; há ainda um pequeno museu que exibe variada documentação sobre a presença portuguesa;


- a estação dos Caminhos de Ferro e a sua imponente fachada, gizada pela pena de Gustav Eiffel;

A fachada


- o Jardim dos Namorados... onde o nosso paladar se delicia com um batido de maracujá (dos melhores do mundo) e o olhar se perde nas profundezas do Índico ali plantado;


- o Museu de História Natural, um edifício de arquitectura neo-manuelina, tem uma interessante secção de etnografia que reúne escultura e máscaras macuas, além de um mural de Malangatana no jardim;

No exterior

No interior do museu

No jardim

- a Sé;


- a Igreja de Santo António do Polana, vulgo Espremedor de Laranjas;

No interior

- o Mercado Central de Maputo, vulgo bazar, está bem abastecido de simpatia, mas também, obviamente, de fruta, legumes e de uma grande variedade de produtos enlatados, a esmagadora maioria proveniente da África do Sul.

- o mural "Ode a Samora Machel" que se situa na Avenida Marginal, mesmo em frente ao Clube Naval, tem cerca de 700 metros e o seu autor é Naguib, um pintor moçambicano. Por ocasião do 120º aniversário da cidade de Maputo [em 2007], colocou estes azulejos com a ajuda de um grupo de alunos de Belas Artes.

"A qualidade do moçambicano não se define pela cor. Não há minorias, há povo moçambicano."
"O ignorante é incompetente. O incompetente julga saber tudo."
"A emancipação da mulher não é um acto de caridade."

"Não se pergunta a um escravo se quer ser livre"

Quem dispõe de abastada disponbilidade financeira, aconselho uma estadia no mítico Hotel Polana. O melhor da cidade (e também o mais caro). Bar, Restaurante, Salão de Chá, Pastelaria e Casino. Uma sumptuosa piscina completa o requinte deste magnífico edifício estilo colonial impecavelmente conservado.

As fachadas

A piscina


As primeiras impressões em Maputo podem frustar parcialmente expectativas demasiado optimistas. Quem aterra nesta cidade e está à espera de encontrar mais do mesmo, ou seja, uma Europa nos seus primórdios... é melhor nem sair do aeroporto e apanhar o primeiro avião de volta. Não é uma cidade que desperte uma paixão assolapada - daquelas que à primeira vista turvam a razão -, mas é um lugar que precisa de tempo, que requer conquistas diárias e compreensão mútua, mas depois alimenta romances longos e duradouros com os forasteiros (como eu!).
Ao deambular pelas ruas daquela cidade, senti-me em casa... o que não é de estranhar porque a riqueza deste país está nas suas gentes, um povo de pródiga comunicação, de generoso verbo que soa como uma música familiar.

PS- A aventura africana continua num próximo post...

3 comentários:

Anónimo disse...

Beeeeeemmmmmm .. amei, realmente parece ser uma cidade de sonho com o seu encanto :)

Photos are GREAT :)

XXX

emot disse...

Isto sim é uma bela descrição de uma viagem!!
Muy nice.
bjocas

anDrEIA disse...

Photos by myself :)
Realmente, é uma cidade com os seus encantos à sua maneira... é preciso não esquecer que África é África :)